Cuidar da saúde com amor e alegria!

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09/08/2013

Uretrite



Uretrite é o nome genérico usado para designar inflamação ou infecção na uretra, canal que sai da bexiga e chega ao meato urinário, o ponto de contato com o meio exterior.

As infecções que acometem a uretra têm extrema importância em saúde pública, porque muitas delas são provocadas por germes transmissíveis durante o ato sexual causando epidemias de doenças venéreas, ou seja, de doenças sexualmente transmissíveis (DST).

As uretrites têm diversas causas. Talvez a conhecida há mais tempo seja a uretrite gonocócica, descrita por Hipócrates 400 anos antes de Cristo e provocada pela bactéria Nesseria gonorrheae, que pode desenvolver-se também em órgãos como a faringe e o canal do ânus. Outro agente responsável por uretrites é a Chlamydia trachomatis, bactéria intracelular de grande poder infectante.

Os sintomas da gonorréia são agressivos o que facilita o diagnóstico precoce e antecipa o início do tratamento. Já a infecção pela clamídia pode ser silenciosa. Isso aumenta a possibilidade de transmissão e explica a prevalência crescente da doença.



URETRITE GONOCÓCICA

Drauzio – Quais as principais características da uretrite gonocócica?

Luiz Jorge Fagundes – A uretrite causada pela bactéria da gonorreia tem manifestações diferentes no homem e na mulher. No homem, a partir do segundo ou terceiro dia do contato com a bactéria através de relação sexual sem uso de preservativos, surgem sintomas como ardor ao urinar e presença de secreção purulenta. Frequentemente, é maior o número de micções durante o dia, só que a pessoa urina pequenas quantidades e, quando termina, continua com a sensação de que a bexiga não foi esvaziada por completo.

Drauzio – Quanto tempo leva entre o momento da relação sexual desprotegida que transmitiu o agente da gonorreia e o aparecimento do corrimento purulento. Ou seja, qual é o período de incubação dessa doença?

Luiz Jorge Fagundes – Há descrição de pacientes que apresentam o quadro 24 horas depois da relação sexual desprotegida, mas há também aqueles que só manifestam os sintomas 90 dias mais tarde. Em média, porém, o período de incubação gira em torno de três dias a contar da relação sexual sem uso de preservativo.

Drauzio – O corrimento é abundante?

Luiz Jorge Fagundes – Normalmente, o corrimento é abundante. Às vezes, é tanto que obriga a pessoa, mesmo o homem, a usar papel higiênico ou absorvente por causa da quantidade de pus que elimina.



CLAMÍDIA

Drauzio – A uretrite gonocócica foi, durante séculos, a mais comum de todas. Hoje, uretrites provocadas por outros agentes infecciosos são mais prevalentes. Qual delas merece destaque?

Luiz Jorge Fagundes – Atualmente, a uretrite causada pela bactéria clamídia é a doença sexualmente transmissível (DST) de maior prevalência no mundo todo. Sua manifestação é semelhante à da gonorreia (dor ao urinar e aumento do número de micções), mas existem algumas diferenças. O período de incubação é um pouco mais longo, em torno de dez, quinze dias entre a relação sexual e o aparecimento dos sintomas e, na maioria das vezes, a secreção que sai pelo canal da uretra não é cor de pus. É mais clara.

Drauzio – O fato de os sintomas provocados pela clamídia serem menos exuberantes do que os da gonorreia torna mais difícil reconhecer a infecção.

Luiz Jorge Fagundes – É verdade. Além disso, pode acontecer ainda que na mesma relação sexual a pessoa adquira os agentes da gonorreia e da clamídia. Por isso, a recomendação é procurar serviço médico autorizado para coleta de material ao primeiro sinal de secreção para definir os agentes infecciosos e escolher a medicação, especialmente porque as drogas que agem para combater a gonorreia não funcionam para a clamídia.

Drauzio – Como evolui a infecção por clamídia sem diagnóstico e quando a uretrite é tratada inadequadamente?

Luiz Jorge Fagundes – Para entender o que acontece, é importante traçar um paralelo entre as manifestações na uretra masculina e na uretra feminina. Tanto na gonorreia quanto na clamídia, as mulheres podem não apresentar nenhuma sintomatologia ou apresentar sintomas semelhantes aos das cistites, o que torna obrigatórios a coleta de material para análise da secreção e o exame de urina.

Embora a maior parte dos homens infectados manifestem os sintomas e a secreção esteja presente, alguns são portadores aparentemente saudáveis. A clamídia agride as estruturas internas do genital masculino, por exemplo, o epidídimo, provocando inchaço do escroto, que é mais acentuado na uretrite causada pela gonorreia, uma vez que os sinais e sintomas da clamídia são menos aparentes. Isso dificulta o diagnóstico precoce.

Drauzio – A infecção por clamídia pode causar infertilidade?

Luiz Jorge Fagundes – Os urologistas ainda não chegaram a um acordo a respeito da relação entre infertilidade e presença da clamídia, mas há pesquisas em andamento investigando se a obstrução nos genitais masculinos, que impede a passagem dos espermatozoides e o homem de ter filhos, pode ser provocada por essa bactéria.

Sabe-se que nas mulheres a clamídia pode subir pelos genitais, atravessar o colo uterino, atingir as trompas que ligam os ovários ao útero e provocar a doença inflamatória pélvica aguda. Esse processo infeccioso também causado pela bactéria da gonorreia pode gerar obstrução nas trompas e impedir o encontro do óvulo com o espermatozoide levando à infertilidade ou à gravidez tubária (ectópica), porque o ovo fecundado não consegue chegar ao útero. A complicação mais grave da doença inflamatória pélvica é a septicemia, uma infecção generalizada que pode levar ao óbito.

Ao contrário do que acontece com a clamídia, na gonorreia os sintomas são mais exuberantes e a moléstia inflamatória pélvica aguda tem manifestações passíveis de detectar precocemente. Estatísticas em outros países indicam que 30% das mulheres infectadas pela Chlamydia trachomatis vão desenvolver essa doença, um número bastante alto, portanto. Embora os exames anatomopatológicos mostrem que a agressão às trompas exercida pelo gonococo é maior, preocupa mais o fato de a infecção pela clamídia ser silenciosa, o que retarda o diagnóstico.

Drauzio – Essa característica silenciosa da infecção pela clamídia provavelmente explica a grande prevalência da doença. Como a pessoa não sente nada, deixa de tomar os cuidados necessários e a bactéria vai sendo transmitida nas relações sexuais.

Luiz Jorge Fagundes – Isso realmente acontece. Até hoje não foram descritos casos de clamídia congênita, ou seja, em que houve transmissão vertical da mulher grávida para o feto. Assim como na gonorreia, essa infecção ocorre sempre no momento da passagem da criança pelo canal de parto. Uma vez infectada pela bactéria da gonorreia, em 48 horas, a criança pode desenvolver um quadro irritativo nos olhos, com secreção purulenta muito intensa e risco de perder a visão e desenvolver meningite. O tratamento preventivo feito na maternidade com colírio de nitrato de prata previne a oftalmia gonocócica, mas não a conjuntivite pela clamídia. Daí a importância de pesquisar a presença das bactérias Neisseria gonorrheae e Chlamydia trachomatis durante a gravidez para evitar o contágio.

Drauzio – Quais as consequências da infecção por clamídia para os olhos da criança?

Luiz Jorge Fagundes – Temos de distinguir nesse caso a criança imunocompetente da imunocomprometida, assim como a mulher com a defesa hígida daquela com as defesas deprimidas, porque uma pessoa que adquiriu uma doença sexualmente transmissível corre o risco de também estar infectada pelo vírus HIV da AIDS. Portanto, se a contagem de células responsáveis pela defesa do organismo estiver baixa, a agressão será mais grave e pode provocar a perda do olho. Nas crianças imunocompetentes, que não nasceram de parto prematuro, a medicação à base de eritromicina é suficiente para debelar a infecção, que não tem a mesma gravidade da oftalmia gonocócica. Recém-nascido contaminado no canal de parto por mãe com gonorreia, em 48 horas pode apresentar um quadro ocular com secreção purulenta muito intensa e perder o olho. Pode também ter um comprometimento pulmonar grave que o levará ao óbito se ele for imunodeprimido.

Drauzio – Além dos olhos, que órgãos a clamídia pode acometer à distância?

Luiz Jorge Fagundes – A análise de pacientes com defesa diminuída por coinfecção, por exemplo, os portadores também do vírus da AIDS, mostra a presença da clamídia na faringe, no canal anal ou em áreas, como as células do epitélio colunal. A clamídia tem a característica de adaptar-se ao ambiente em que tenha seus requisitos alimentares satisfeitos.



DIAGNÓSTICO

Drauzio – Você recebe uma pessoa com queixa de secreção uretral abundante. Como faz o diagnóstico?

Luiz Jorge Fagundes – É sempre importante desprezar essa secreção, porque já sofreu a ação de enzimas existentes no organismo que podem mascarar o quadro. Colhe-se, então, o material adequado para fazer a coloração por meio de corantes específicos. No caso da gonorreia, como o gonococo não está dentro da célula, e o resultado sai em 15 minutos.

O diagnóstico da clamídia tem características diferentes, pois ela precisa entrar na célula do hospedeiro para retirar dali a energia necessária para sobreviver. É preciso considerar também que seu ciclo de desenvolvimento passa por duas fases: 

1) corpo elementar infectante que agride o hospedeiro e 

2) replicação dentro da célula, em que o material infectante chega a ocupar ¾ da área. Essa superlotação faz romper a membrana da célula do hospedeiro e são lançados novos corpúsculos que vão infectar outras células.

O fato de a clamídia ser intracelular obriga a coleta de material por esfregaço na uretra ou no colo do útero, a fim de submetê-lo ao exame de imunoflorescência direta que permite visualizar, num microscópio especial, os corpúsculos elementares que adquirem a cor de maçã verde.

TRATAMENTO

Drauzio – Em que consiste o tratamento das uretrites causadas por gonococos e por clamídia?

Luiz Jorge Fagundes – Em muitos países, basicamente, o tratamento da coinfecção gonorreia/clamídia é feito com doxaciclina, um derivado da tetraciclina que atua sobre as duas doenças. No nosso ambulatório de DST, colhemos material para exame laboratorial das duas infecções e para pesquisar a presença de sífilis, hepatite e AIDS.

Se o resultado, que sai em 15 minutos, for positivo para gonorreia, o paciente já começa a ser tratado com penicilina procaína ou com tianfenicol, azitromicina ou outros antibióticos disponíveis no mercado. Essas drogas combatem apenas a gonorreia.

O resultado da imunoflorescência demora um pouco mais para ficar pronto. Se for detectada a presença de clamídia, tanto o paciente quanto sua parceira começam o tratamento. Mulheres grávidas portadoras dessa bactéria exigem muito cuidado com o uso da medicação para não comprometer o feto. O mesmo cuidado deve ser tomado com os recém-nascidos, que não podem receber as drogas indicadas para os adultos e as mulheres não grávidas. Em geral, a droga prescrita nos dois casos é a eritromicina básica. Essa é diferente do suxinato de eritromicina, que é contraindicado.




OUTRAS CAUSAS E PREVENÇÃO

Drauzio – Uretrites não são provocadas apenas pela gonorreia e pela clamídia. Que outras infecções são responsáveis pela presença de secreção?

Luiz Jorge Fagundes – Causa comum da presença de secreção vaginal é a cândida, um fungo que pode levar à uretrite. Outra causa é a agressão por trichomonas. O interessante é que, hoje, raramente se veem mulheres portadoras desse protozoário, mas o número de homens com uretrite causada por ele cresceu muito. Como muitas vezes o período de incubação clínica da tricomoníase e da gonorreia é parecido, nos pronto-socorros, a falta de intimidade com as doenças sexualmente transmissíveis faz com que, diante do corrimento abundante e do curto período de incubação, sem colher material para exame de laboratório, o diagnóstico seja de gonorreia e o paciente continue albergando trichomonas, um agente bastante agressivo.

Uretrites podem ocorrer também por herpes e papilomavírus (HPV). Diante de sintomas como dor intensa ao urinar e pouco corrimento, é importante considerar a hipótese de herpes genital, porque a lesão pode estar localizada dentro do meato uretral e aparecer em crises que recidivam.

Para as mulheres com queixa de dor ao urinar, deve ser pedido também um exame de cultura de urina, para descartar a presença de Escherichia coli ou de outras bactérias causadoras de cistite.

Drauzio – Como prevenir as uretrites provocadas pelas doenças sexualmente transmissíveis?

Luiz Jorge Fagundes – É fundamental insistir na conscientização das pessoas. Só quando elas tomam consciência da importância de fazer sexo seguro, de não se descuidar do uso de preservativos e dos riscos inerentes à mudança de parceiros, a possibilidade de contrair doenças sexualmente transmissíveis diminui. Não estou me referindo a campanhas pontuais, às vésperas do carnaval, ou no Ano-Novo, por exemplo. O trabalho tem de ser constante, permanente, sempre visando à mudança de atitudes e de comportamento.

PERGUNTAS ENVIADAS POR E-MAIL

Karen Cristina Pereira Rios – Cosmópolis/SP – Clamídia e cândida têm ação semelhante? Qual a melhor forma para prevenir o contágio de ambas?

Luiz Jorge Fagundes – A cândida é um fungo e a clamídia, uma bactéria. Existem diferenças entre elas e na coleta de material para exame. A melhor maneira de prevenir as duas infecções é fazer sexo seguro, usando preservativo.

Neiran Rios Carneiros Nunes – Salvador/BA – O uso de banheiros públicos e de toalhas de banho de outra pessoa pode ser via de transmissão dos agentes causadores da uretrite?

Luiz Jorge Fagundes – É muito difícil. Não tenho conhecimento de pacientes que contraíram doenças sexualmente transmissíveis em banheiros ou toalhas, a não ser quando estavam acompanhados por alguém com a infecção.

Marcos Xavier dos Santos – Masturbação pode causar uretrite inflamatória?

Luiz Jorge Fagundes – A masturbação em si não causa uretrites. No entanto, existem várias formas de a pessoa masturbar-se que podem levar não só a uretrites, mas à necrose do pênis, como o uso de anéis para manter a ereção. Nessa área, há quem cometa loucuras.

Dr. Luiz Jorge Fagundes responsável pela área de Doenças Sexualmente Transmissíveis da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.



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